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Rivka Steinberg Benjamini - Guardando o Shabat em pleno campo de concentração

Rivka nasceu em 1927, na cidade de Nitra, na Checoslováquia – atualmente integrante da Eslováquia. Vindo de uma família religiosa, foi no ano de 1943 que Rivka percebera como a situação local estava mudando drasticamente. Ao reparar que seu pai havia se desfeito de sua tradicional barba ela recorda-se de ter ficado perplexa com aquela situação: “Senti naquele momento que algo terrível estava acontecendo; que o mundo estava se acabando. Nem mesmo quando nos privaram da metade da casa onde vivíamos eu havia me sentido assim. Nossa vida familiar, repleta de harmonia, chegava ao fim”, recorda-se. Poucos dias depois seus irmãos Willy e Almer foram levados para um “campo de trabalho”, conforme os próprios guardas informaram aos rapazes e a seus familiares. Infelizmente aquela foi uma viagem sem volta para os garotos. Logo mais a família foi obrigada a se mudar para uma casa que ficava ao lado da grande sinagoga de Nitra. No período em que residiram lá, em certa ocasião eles ouviram disparos muito próximos à casa. Escondendo-se em meio as cortinas Rivka foi capaz de ver um judeu correndo pela ruela da sinagoga, tentando escapar. Era o rabino Chaim Michael Dov Weissmandl. Atingido por balas ele caiu de bruços aparentemente sem vida. Os soldados nazistas se aproximaram dele e até o cutucaram com seus rifles. Como não viram nenhum tipo de reação, presumiram que ele havia falecido. No entanto, passados alguns minutos, percebendo que não havia mais oficiais nazistas no entorno ele se ergueu e correu em direção a um grande pátio da sinagoga. O rabino Weissmandl tornou-se conhecido posteriormente pelas suas ações secretas, através das quais conseguiu salvar muitos judeus da Eslováquia. E quando ele mesmo fora apanhado, conseguiu saltar do trem e escondeu-se na floresta, conseguindo escapar da morte. Em agosto de 1944 os nazistas capturaram os últimos judeus de Nitra, incluindo Rivka e seus familiares. Eles foram encaminhados para a cidade de Sered, onde funcionava um campo de trabalhos forçados. Abraham, o pai de Rivka, conseguiu que ela fosse encaminhada para trabalhar como faxineira dos banheiros de um hospital. Posteriormente eles foram encaminhados para Auschwitz. Ao descer do trem as pessoas caminhavam em fila indiana. Pouco depois um oficial começou a sinalizar para onde cada um deveria ser direcionado: ora ele apontava para a direta, ora para a esquerda. Em um dado momento a mãe de Rivka dirigiu-se a Jolika, sua filha, e lhe orientou que caso elas fossem separadas Jolika deveria ficar sempre junto a Rivka. Pouco depois de proferir essas palavras, Reizel foi ordenada para que fosse para a fila da esquerda, para onde o seu marido Abraham já fora encaminhado anteriormente. Aquela foi a última vez em que Rivka e Jolika viram seus pais. Naquela noite em que chegaram a Auschwitz, as meninas tiveram suas cabeças raspadas e precisaram entregar os poucos itens pessoais que ainda portavam. Rivka ao recordar-se dos primeiros dias no campo, fez o seguinte registro: “Chorei dia e noite no começo, como quase todas as outras meninas. Era uma maneira – inconsciente é claro de cumprirmos uma espécie de Shivá (luto) pela perda de nossos pais. As mesmas figuras esqueléticas que havíamos entrevisto do outro lado da cerca, na noite da chegada, cobertas por roupas listradas, nos explicavam agora a causa da fumaça que saía ininterruptamente das altas chaminés, situadas na outra extremidade do acampamento.” As irmãs acabaram sendo escolhidas para trabalhar no lanifício do campo. Certo dia, Rivka escutou alguém a chamando do outro lado da cerca, e ao se aproximar um pouco do local ela pode ver que quem a chamava era sua outra irmã Mira, que havia chegado há pouco a Auschwitz e junto com ela, ainda estava sua prima Esti. Elas advertiram Rivka que parte do campo seria evacuado logo mais e as orientou que tentassem fazer parte desse grupo. O que Mira havia revelado acabou por se tornar realidade, quando pouco depois foi feito um grande bombardeio foi feito sobre o campo. Na ocasião os soldados orientaram que as pessoas procurassem abrigo em um terreno baldio próximo a área dos banheiros. Rivka e Jolika pensaram que estivessem prestes a morrer e enquanto se protegiam, uma segurou a mão da outro e juntas recitaram o Shemá Israel. Pouco depois do ataque, Rivka e Jolika foram então transferidas para outro campo de trabalho. Chegando em Bad Kudowa (localizado a sudoeste da Polônia), elas puderam desfrutar de uma experiência um pouco apaziguadora: “Podíamos circular, e assim foi que conhecemos as 30 pessoas do quarto número 11, entre elas três mães que estavam ali com suas filhinhas. Que Maravilha! Mães e filhas juntas!”, recorda-se Rivka. No novo campo elas participaram de um treinamento e passaram então a trabalhar na fábrica de aviões. Certa manhã, no mês de fevereiro de 1945 elas foram advertidas que não deveriam ir até a fábrica, pois os alemães estavam desconfiando que as tropas aliadas pudessem bombardear o local. Em meio ao frio do inverno, as garotas ficaram então no quarto tentando calcular que dia da semana seria. Quando chegaram à conclusão de que deveria ser uma sexta-feira, elas decidiram que iriam celebrar o Shabat. Para o acendimento das velas – que marcam o começo do Shabat – as integrantes do quarto precisaram improvisar. Uma ofereceu duas batatas que tinha guardado; outra providenciou dois fios de tecido, extraídos do colchão, para usar como pavio; uma terceira ainda tinha guardado um restinho da margarina que era parte da porção semanal dos alimentos oferecidos pelos alemães. Faltavam os fósforos, que imediatamente foram disponibilizados por Faigue. Sem saber, até os alemães ajudaram nos preparativos. Eles ofereceram rações extras de pão, pois naqueles dias falava-se que poderia ser feita uma nova evacuação do campo, devido aos bombardeios. O pão extra havia sido oferecido como uma preparação para essa caminhada que as aguardava. Sobre esse episódio, Rivka recorda-se de dúvida que pairava no quarto: “‘Ó Senhor do Universo, será que acenderão?’, nos perguntávamos. Era muito importante que acendessem... Lembro-me claramente do nervosismo que me invadiu. Disse para Ele: ‘Se as velas não acenderem, é sinal de que o nosso fim está próximo, mas se arderem, é sinal de que todas nós sobreviveremos!’ E as velas acederam, e arderam! E como arderam. A luz que irradiaram era mais forte do que a luz da lâmpada presa ao teto do quarto. Era uma luz aconchegante, quente e doce, que nos ‘beijava’ como uma mãe beija seus filhos, ternamente. Era muito importante para nós aquele instante, estarmos todas sentadas na mesma cama, em frente à luz das velas. Nos acomodamos sobre a cama de Sárika, e fizemos a bênção, tal e qual nossas mães costumavam fazer.” Algum tempo depois, Rivka e sua irmã foram selecionadas para fazer parte de um grupo de trabalho especial, que iria trabalhar a uns dez quilômetros de distância do campo, para construir uma base para a estrada de ferro, na cidade de Nachod – localizada na República Checa, próximo da fronteira com a Polônia. Além das ferramentas para o trabalho elas ainda ganharam uma ração extra de pão e uma mochila verde. O soldado responsável pelo grupo de trabalhadoras era chamado por elas de Napoleão. Diversos moradores da cidade de Nachod viajavam de trem com a finalidade de jogar maças e sanduíches para as prisioneiras que lá estavam. Napoleão permitia tais “arregalias”, mas ele exigia certa ordem para que a situação permanecesse sob controle. No dia em que elas chegaram à fronteira de Nachod, uma garota que aparentava ter aproximadamente quatorze anos se aproximou disfarçadamente do local onde repousavam as mochilas nas mulheres que ali estavam trabalhando. Na mochila de Rivka ela deixou um caderninho e um lápis, onde estava escrito “Ida Porkert – Kamnitza 11. Quando forem libertadas, venham à nossa casa. Teremos pão para vocês”. Em abril de 1945 as coisas ficaram um pouco mais conturbadas. Há dias elas não eram levadas para trabalhar. As porções de comida que elas costumavam receber estavam ainda menores. Certa madrugada, enquanto a prisioneiras se organizavam em longas filas no pátio, foi possível perceber que as portas dos barracões que ficavam a frente delas estavam totalmente abertas. Os prisioneiros de guerra haviam sumido. Também a porta dos estábulos estava escancarada. Os cavalos haviam sumido, junto com os seus respectivos donos. A primeira comandante alemã não estava presente, como de praxe. Em meio a toda essa situação, o pensamento que veio a mente de Rivka foi: “É o fim, agora irão nos matar”. De repente, as prisioneiras escutaram um grito de uma soldada da SS ordenando-as a marchar. Elas começaram a caminhar na direção contrária ao que era o caminho regular que elas faziam para ir trabalhar. Aquele não era tampouco era o caminho para a fábrica ou para a cidade de Nachod. Em um dado momento alguém do grupo chegou a levantar a seguinte possibilidade: “Estão nos levando para a fronteira da Alemanha. Estamos indo num caminho alternativo para não nos depararmos com os alemães que estão recuando e fugindo”. Pouco depois, um soldado que tinha certa empatia por Jolika lhe disse: “Você não precisa ter medo. Hitler morreu. Suicidou-se”. Um tanto incrédulas, as mulheres continuaram céticas, afinal de contas “seria possível confiar em um alemão?”, muitas se perguntavam. Por fim, finalmente chegaram à fronteira. Era possível ver milhares de pessoas aos gritos – muitos dos quais eram soldados soviéticos. Eram vozes de ovação e de alegria que se ouvia. Finalmente elas estavam livres! A população de Nachod as acolheu, lhes oferecendo abrigo e alimentos. A respeito desse momento da libertação, Rivka relembra-se: “Nos sentamos encostadas na parede, sem saber o que estava acontecendo. Rir ou chorar? Fizemos as duas coisas. E ouvimos alguém nos contando como fomos libertadas: os partisians estavam cuidando de nós já há algum tempo, desde as florestas ao redor do acampamento. Eles enviaram o seguinte recado aos carcereiros alemães: ‘Saibam que estamos seguindo e cuidando das prisioneiras. Se alguma das 450 pessoas for ferida, uma cruel vingança abaterá vocês.’” Rivka e Jolika passaram por diversas localidades. Na Bratislava elas se encontraram com Miriam, irmã que também havia sobrevivido aos horrores da guerra. Elas passaram por acampamentos temporários junto a outros sobreviventes do Holocausto, até que no final de 1945 finalmente chegaram à Barbison, nas proximidades de Paris. Lá, Rivka trabalhou como madrichá, instrutora de crianças menores em uma instituição que também lidava com jovens sobreviventes do Holocausto. Partindo de Marelha, em 1946, Rivka finalmente chegou a Éretz Israel. Ela formou-se professora e lecionou no Kibutz Iavne, onde conheceu e casou-se com o rabino Chaim Benjamini, que também sobrevivera ao Holocausto, tendo passado pelo campo de concentração de Bergen-Belsen. Mais tarde, transferiram-se para Beit Meir, próximo a Jerusalém, onde Rivka lecionou no jardim de infância. Em 1954 o casal foi para o Rio de Janeiro, em regime de shelichut (emissários), através da Agência Judaica. Atendendo a um pedido da comunidade judaica local, Rivka criou o Jardim de Infância Bar-Ilan, que rapidamente transformou-se em uma escola, atendendo a crianças de todas as idades. De volta a Israel, ao final do período de shelichut, ela foi nomeada coordenadora pedagógica responsável por 120 classes de pré-escola na região sul de Israel. A família voltou para o Brasil em 1963, a convite do Colégio Bar-Ilan. Em 1966 o rabino Chaim fundou a Yeshivá Colegial de Petrópolis. Novamente em Israel, para onde seguiu em 1967, com os filhos, e agora residindo em Jerusalém, Rivka passou a trabalhar como inspetora e coordenadora pedagógica, respondendo a três regiões de ensino em Israel. Seu marido após entregar o cargo a seu substituto reuniu-se novamente com a família em 1969. Atendendo ao pedido do comitê da Yeshivá de Petrópolis e sob o incentivo do Lubavitcher Rebe, o casal Benjamini voltou ao Brasil em 1973 e, um ano depois fundou a Michlalá Colegial para moças, também em Petrópolis (posteriormente transferida para Teresópolis), dirigida por Rivka que lá lecionou por oito anos. Em paralelo, a morá (professora, em hebraico) – como sempre fora chamada com carinho por seus alunos - também passou a dar aulas semanais de judaísmo nos bairros da Tijuca e Copacabana, no Rio de Janeiro, e a proferir palestras em organizações femininas, além de ajudar seu marido na direção da Yeshivá. Rivka atualmente reside com o seu marido, em Kfar Chabad, em Israel.

As irmãs reunidas pouco antes da guerra. Da esquerda para a direita: Jolika, Rivka e Judith.

Ficha consultar datada de 1954, quando Rivka veio para o Brasil pela primeira vez.


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