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Renee Salt - A narrativa de quem levou quase 50 anos para poder contar sua história

Para Renee Salt as memórias do Holocausto nunca desapareceram: “Eu me recordo de tudo… é tão claro, como se tivesse ocorrido ontem.” Nascida em Zdunska Vola, na Polônia, em 1929, Renee tinha 10 anos no dia primeiro de Setembro de 1939. Este foi o dia em que a SS transformou sua casa em uma base de comando. Neste dia começava a Segunda Guerra Mundial. A mãe de Renee, prevendo a guerra, havia estocado a casa com provisões para a família. Tudo em vão, pois assim que os soldados tomaram a casa, todos os pertences da família, incluindo as roupas das crianças, foram enviados à Alemanhã para as famílias dos soldados e comandantes. Tendo que abandonar sua casa, Renee também viu sua família dividida para poder encontrar moradia com os parentes. Ela acabou indo morar com os avós em Kalisz. A moradia com os avós não durou muito, pois logo a cidade foi declarada “Judenrein”, que em alemão significa “livre de judeus”. A mãe de Renee foi buscar a filha e o resto da família e em pouco tempo eles se encontraram vivendo em um gueto, dividindo um quarto entre oito pessoas. A vida no gueto era dura. Todos tinham que trabalhar para poder receber sua ração de comida. Renee trabalhava em uma fábrica de meias para o exército alemão em uma máquina que era maior que ela. Ela não sabia nada sobre trabalhar - tinha apenas 10 anos! - e passou duas semanas sendo treinada para o seu primeiro emprego. O trabalho, porém, não era o pior. Se algum judeu possuía barba, os soldados ateavam fogo nas barbas, ou então pediam por tesouras para que pudessem cortá-las grosseiramente, chegando a realizar muitas vezes cortes na pele dos homens. Não haviam medicamentos e o único médico judeu que podia praticar medicina não conseguia cuidar de todos os doentes. Pessoas morriam de doenças comuns. E cada dia chegavam mais pessoas, de outros guetos ou de outras cidades. Um certo dia, os soldados construíram dez forcas no meio do gueto, reuniram todos os habitantes e enforcaram dez homens. Os alemães deixaram os corpos ali, pendurados nas forcas durante dias. Ninguém pensou que as coisas pudessem piorar. Já tinham se passado quase três anos que a guerra havia começado, e rumores de que os idosos e as crianças estavam sendo chacinados por todo o país já havia chegado ao gueto. Por isto, no verão de 1942, quando Renee e sua família escutaram gritos de “Alle Juden außerhalb” - todos os judeus para fora, em alemão - eles esconderam seus avós, tio e seu primo de 4 anos no sótão antes de saírem de casa. Seguindo sua mãe, pai e irmãs, Renee foi para fora, onde foi encaminhada a uma grande praça. O grupo foi então levado para um cemitério judeu fora da cidade. “Quando chegamos lá, testemunhei a primeira das muitas ‘seleções’ pelas quais eu ainda iria passar”, recorda-se. “Em cada lado dos portões do cemitério estava a SS e a Gestapo com seus bastões, dirigindo uns para a direita, outros para a esquerda. Inválidos, mulheres grávidas, pessoas de idade e que não pareciam aptas para trabalhar foram todas para um lado, e o restante foi para a outra direção”. Renee passou por essa seleção com os seus pais e uma de suas tias. O restante da família foi para o “lado do azar”. Depois disso, Renee e os integrantes restantes de sua família sentaram-se nas lápides por vários dias, cercados por luzes para que ninguém pudesse escapar. Ela recorda-se de ver uma pessoa alegre presa no cativeiro, pois “seu menino tinha morrido há algumas semanas e foi sepultado [no cemitério] - e ninguém poderia levá-lo embora”. As pessoas ao redor de Renee tentaram fazê-la parecer mais velha com uso de maquiagem, com um lenço e salto alto, para evitar que ela passasse por outros problemas. Na ocasião ela tinha apenas 12 anos. Em um dado momento um soldado a viu e veio correndo, exigindo saber sua idade. “Eu estava paralisada de medo, eu não podia me levantar e eu não conseguia responder”. Seu pai atestou que ela tinha 18 anos. Esse soldado a olhou fixamente até dizer que ela poderia permanecer sentada. “Até hoje eu acredito que o D’us Todo Poderoso estava me protegendo naquele dia e Ele não me deixaria ser levada embora.” O grupo foi levado as para linhas ferroviárias. Então o presidente de seu antigo gueto foi chamado e fuzilado, tendo todos os objetos de valor recolhidos. Os grupos foram acondicionados em caminhões de gado e levados para o gueto de Lodz, há aproximadamente 40 km de distância, onde eles se reuniram com a avó. Seu pai tinha um anel de ouro que estava preso em seu dedo. Um soldado da SS percebeu e exigiu que o objeto fosse entregue. Então ele pediu a outro soldado para buscar uma faca para poder cortar o dedo. “Eu não vi muitos milagres durante o Holocausto,” recorda-se Renee, “mas quando ele terminou de dizer estas poucas palavras, o anel por conta própria, sem qualquer aviso, escorregou para fora do dedo tão como se ele fosse pelo menos cinco tamanhos maiores, e então acabou parando nos pés do homem da SS”. Renee viveu no gueto até 1944. “As coisas que eu vi no gueto de Lodz são indescritíveis”, diz ela. Com o avanço do exército russo, os soldados alemães queriam deslocar a população do gueto para outro local. No entanto, temendo uma repetição da insurreição que ocorrera no gueto de Varsóvia, em 1943, as tropas alemãs prometeram melhores condições para o outro lugar onde eles haveriam de se mudar. Levantaram-se suspeitas com relação as boas intenções dos soldados alemães. Quando o trem chegou com os vagões vazios para levar as pessoas, aqueles que trabalhavam na limpeza da estação encontraram pequenos bilhetes dizendo que as pessoas estavam sendo levadas para campos de concentração onde ocorriam assassinatos em massa. “Nós não acreditamos e não queríamos acreditar, mas era algo que deveríamos ter feito”, lembra-se Renee. Forçados pela falta de alimentos, Renee e seus familiares não tinham escolha a não ser sair do gueto voluntariamente. Novamente eles se dirigiram aos vagões que eram para transporte de gado e acabaram sendo encaminhados para Auschwitz-Birkenau. “Algumas pessoas trabalhavam em Auschwitz, mas nós estávamos lá apenas para ser torturados. Nós nunca pensamos que sairíamos vivos. Os experimentos aconteciam o tempo todo. Experiências médicas e experimentos cirúrgicos sem anestésicos, apenas para observar a reação dos pacientes”. Mais tarde, Renee e sua mãe foram enviadas para trabalhar em Hamburgo, onde um touro escapou de um matadouro próximo. Sua mãe foi atacada pelo touro e o ferimento foi tão grave que ela não tinha mais como trabalhar. Depois de março de 1945, quando os nazistas sabiam que estavam perdendo a guerra, Renee e sua mãe foram levadas para o campo de concentração de Bergen-Belsen. “Logo após a chegada em Belsen, nós nos encontramos cobertas de piolhos da cabeça aos pés. O acampamento foi completamente infestado. O alimento já não estava mais chegando ao campo e o abastecimento de água havia sido cortado. Como as folhas que caem de uma árvore, as pessoas estavam caindo e morrendo. Havia um enorme caos”, recorda-se Renee. Não havia nenhuma organização, apenas milhares de pessoas deitadas em cabanas morrendo em decorrência de doenças e fome. E depois de ter sido separada de sua mãe na viagem, Renee arriscou-se procurando por ela em diferentes cabanas. Depois de dois dias ela encontrou sua mãe em uma maca, na beira da morte. Depois de alguns dias ao lado dela, Renee viu tanques britânicos a uma certa distância. A libertação veio para Bergen-Belsen, mas não foi rápida o suficiente para a sua mãe, que veio a falecer em função de seus ferimentos, poucos dias depois. Após a libertação, contando com nada mais do que algumas peças de roupa, Renee fez seu caminho de volta para sua cidade natal na Polônia. Lá, ela encontrou uma tia que foi uma das únicas integrantes de sua grande família que veio a sobreviver. Posteriormente Renee estabeleceu-se no Reino Unido, vindo a se casar com um soldado britânico que conhecera em Paris. Seu marido era um libertador do campo de concentração de Bergen-Belsen. Juntos eles tiveram um casal de filhos Em decorrências dos traumas sofridos, apenas aos 65 anos de vida ela reuniu forças para poder contar sua história, para que outros pudessem ouvir um relato em primeira mão a respeito do Holocausto. Embora tenha idade avançada, ela continua a dar seus depoimentos a respeito dos horrores pelos quais passou.

Registro de Renee aos 90 anos de vida em uma de suas participações em evento onde ela relata sua história


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