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Jeannine Burk - A criança escondida

Jeannine nasceu em Bruxelas, na Bélgica, no dia 15 de setembro de 1939, apenas duas semanas após Hitler ter invadido a Polônia e ter dado início a Segunda Guerra Mundial. Existiam cerca de sessenta mil judeus na Bélgica e eles já possuíam uma longa história no país. Os judeus residiam principalmente em Bruxelas e na Antuérpia e muitos já haviam se assimilado pela cultura belga e ao estilo de vida local. A Bélgica deveria ser um território neutro durante a guerra, mas Hitler acabou por invadir o país em uma “guerra-relâmpago”, ocupando o território de 1940 até 1944. Antes da invasão já existiam alguns rumores que começaram a circular em Bruxelas, que as coisas iriam ficar muito desfavoráveis para os judeus. Se preparando para o que poderia vir a acontecer, o pai de Jeannine providenciou diferentes lugares para onde ela e seus irmãos poderiam se esconder. Sobre este período, ela chegou a fazer o seguinte relato: “Meu pai me levou em um bonde. Esta memória está gravada em minha mente, porque esta foi a última vez que vi meu pai. Nós fomos até o fim da linha. Lembro-me de descer com ele e de caminhar o que me parecia ser uma longa distância. Ele bateu em uma porta e uma mulher atendeu. Eu fui para dentro. Essa foi a última vez que vi meu pai. Eu vivi dentro desta casa por dois anos. Ocasionalmente, eu tinha permissão para sair no quintal (nos fundos da casa). Eu nunca tinha permissão para ir até a frente da casa. Eu nunca fui maltratada. Nunca! Mas nunca fui amada. Eu perdi uma grande parte da minha infância, simplesmente porque eu era judia”. Jeannine recorda-se ainda que os nazistas tinham o costume de promover desfiles, como uma forma de mostrar o seu poderio. Quando isso acontecia, era fundamental que as pessoas deixassem as portas de suas casas abertas, para que pudessem acompanhar a apresentação. A senhora que lhe deu abrigo a escondia no banheiro que ficava no pátio aos fundos da casa. Certo dia ao avistar um gatinho passando por volta do banheiro e em um instinto de oferecer proteção ao bichano ela rastejou e alcançou o pequeno animal: “Eu queria, em parte, protegê-lo e em parte me agarrar a algo, porque eu estava tão sozinha e tão assustada”, recorda-se. Parte da infância de Jeannine foi duramente marcada por não poder desfrutar da liberdade e sequer ter acesso a brinquedos. O pouco de ar fresco ao qual ela podia pegar estava restrito ao pátio da casa. “Eu fiz amigos imaginários porque eu não tinha ninguém para brincar. Não me lembro de ser abraçada ou beijada. Essa foi minha vida por dois anos.” O resto da história do encaminhamento que seus familiares tiveram, foi relatado pela sua irmã Augusta. O irmão de Jeannine, Max, que tinha doze anos a mais do que ela, acabou sendo enviado para um lar para jovens cristãos que acabou por abrigá-lo. Sua irmã, que era oito anos mais velha que ela, tinha sérias restrições para se deslocar, pois sofria de osteomielite, que é um tipo de inflamação óssea. A irmã de Jeannine estava abrigada em um recinto junto com seus pais. Certa vez um vizinho lhes delatou para a Gestapo e em uma madrugada os soldados arrombaram o local onde seus pais estavam dormindo. A Gestapo imediatamente levou o pai dela e quando tentaram pegar a sua mãe, ela interveio e disse que poderia levar um tiro, mas que ela não abandonaria a sua filha que tinha necessidades especiais. Os soldados puxaram então os cobertores da Augusta e viram que ela estava engessada. Um oficial disse então que eles voltariam mais tarde para buscá-las. Pouco depois sua mãe conseguiu então fazer um último telefonema para um hospital católico, que concordou em levar sua irmã. Os alemães costumavam utilizar os hospitais para seu próprio uso. No entanto, o único lugar que eles evitavam entrar era na ala de isolamento. As freiras sentiram que seria melhor que Augusta corresse o risco de contrair uma doença ao invés de descobrirem uma criança judia no hospital. Ela acabou ficando deitada na cama na ala de isolamento por dois anos. Uma vez que sua irmã estava devidamente abrigada, sua mãe foi se esconder em um local preestabelecido, em um lar de idosos no interior do país. Como havia um estereótipo que o judeu costumava ter cabelo escuro e nariz adunco e sua mãe era loira e de olhos azuis, ela não se encaixava nessa imagem, então estava segura para trabalhar como auxiliar de enfermagem. No outono de 1944, após Bruxelas ter sido libertada pelas forças aliadas, sua mãe voltou para lhe buscar. Em seguida elas foram pegar sua irmã. Augusta precisou reaprender a andar. Max encontrou sozinho o seu caminho de volta para a casa onde tinha vivido. Periodicamente apareciam grupos de sobreviventes e prisioneiros de guerra que retornavam para suas casas. “Lembro-me de ficar do lado de fora (da casa) com a minha mãe, irmã e irmão, esperando e esperando pelo meu pai retornar para casa. Nos mantivemos esperando e esperando. Mais tarde descobrimos através de uma agência que meu pai tinha sido exterminado. Ele havia ido para a câmara de gás em Auschwitz. Se eu estivesse em casa quando levaram o meu pai, eu estaria morta também. Eles teriam me enviado instantaneamente para uma câmara de gás. Era isso o que eles faziam com crianças pequenas.” Como eram de uma família pobre, a mãe de Rivka lutou bastante para sustentar seus filhos. No entanto, pouco depois da guerra, ela ainda descobriu que havia contraído câncer. Sarah veio a falecer em fevereiro de 1950, aos 45 anos de idade. Jeannine tinha apenas 10 anos nessa época. Pouco depois seus irmãos Max e Augusta se casaram. Jeannine foi então enviada para viver com alguns parentes, no subúrbio de Nova Iorque. Ela chegou nos Estados Unidos em setembro de 1951, no dia em que completava 12 anos. Em 1970 ela veio a conhecer seu futuro marido Maurice. No ano seguinte eles se mudaram para Nova Orleans. Em 1986 Jeannine foi para o Encontro Mundial de Sobreviventes do Holocausto, que foi realizado na Filadélfia. Na ocasião inúmeros sobreviventes falaram, Elie Wiesel foi um deles. Inúmeras pessoas haviam passado por coisas terríveis, mas no final das contas todos eram sobreviventes. Neste evento havia um livro com inúmeros registros feitos pelos alemães. Este livro continha os nomes de pessoas que tinham sido deportadas para campos de concentração. Esta foi a primeira vez que Jeannine viu o nome de seu pai junto ao de outras pessoas. “Durante anos eu realmente tinha a fantasia de que ele iria nos encontrar, mas, na Filadélfia, vi seu nome. Eles (os alemães) acrescentaram as datas em que as pessoa voltaram dos campos. Ao lado de seu nome não havia nada... ele não iria voltar.” Em 2003, cinquenta e oito anos depois da guerra, Jeannine retornou a Bruxelas em busca da senhora que havia lhe abrigado. Ela descobriu que seu sobrenome era Kudrna e a chegou a localizar a casa onde havia se escondido, na Rue de L’Obus, no distrito de Anderlecht. Jeannine e seu marido tiveram seis filhos.

Jeannine (a esquerda) com sua irmã Augusta (a direita) e sua mãe (ao centro), pouco depois do termino da guerra


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