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Eugenia Rotsztein de Unger - Esquecer? Jamais!

Eugenia nasceu em Varsóvia, na Polônia, dia 31 de março de 1926. Seu nome na realidade era Guinucha, mas posteriormente veio a adotar Eugenia como seu primeiro nome. Ela vinha de uma família com boas condições sociais. Além de seus pais, ela tinha ainda dois irmãos e uma irmã. Quando a guerra teve início, em 1939, com a Alemanha atacando a Polônia, Eugenia recorda-se de ter abraçado seu pai assustada, assim que a cidade de Varsóvia começou a ser bombardeada. Algum tempo depois boa parte da cidade já estava em chamas e a família e suas duas empregadas saíram às pressas, correndo em direção ao Rio Vístula, onde não havia sinal de fogo. Posteriormente, ao retornar para o local onde ficava sua casa, viram que ela ainda estava de pé, sem sofrer maiores danos. A casa do seu tio paterno, no entanto, havia sido destruída por mísseis e por isso eles acabaram se abrigando na casa dos pais de Eugenia. A vida no gueto era mantida sob condições subumanas. Em meio a um relato onde ela recordava sua história, Eugenia comentou da dificuldade de falar sobre certas vivências, pois por mais distantes e inimagináveis que elas pudessem parecer para as demais pessoas, ela parecia sempre reviver tudo àquilo que havia lhe ocorrido. E ao comentar sobre isso, ela estava justamente falando sobre a ocasião em que ela entrou no quarto onde ficavam seus dois primos, que estavam em uma cama e um deles lhe disse: “Guinucha, Guinucha! Olha, meu irmão comeu metade da sua mão.” E ela lhe disse: “Você sabe o que acontece? Se você também fizer isso, não vou lhe trazer mais nenhuma comida”. Ele a respondeu: “Sabe? Está tão boa a carne e tão bom os ossinhos”. E ela lhe disse: “Não faça mais isso. Me dê a panelinha e vou lhe dar um pouco de comer”. Ele acabou por não lhe entregar a panela e no dia seguinte quando Eugenia foi ver como estavam seus primos, ambos estava mortos. Infelizmente em meio a condições tão adversas no gueto, não era raro que as pessoas perdessem seu juízo. Os homens do gueto costumavam ser enviados para trabalhos forçados, no entanto alguns preferiram se rebelar contra tais condições que eram impostas pelos alemães. Esse movimento tomou força e a luta tornou-se conhecida como o Levante do Gueto de Varsóvia, que durou quase um mês, durante o ano de 1943. Eugenia recorda-se que pelo fato do confronto ter tirado a vida de diversos soldados alemães, isso também contribuiu para enfurecer eles, criando um ódio ainda mais latente contra os judeus. Seu pai havia construído um bunker (abrigo) muito grande no subsolo do edifício onde viviam. Ali cabiam quase trinta pessoas. No entanto os alemães atiraram bombas de gás que acabaram por obrigar com que as pessoas que estavam se abrigando lá saíssem correndo. Eugenia recorda-se que com o tempo as pessoas procuraram se esconder e se amontoar em lugares cada vez menores, em busca de onde se abrigar. Durante esse período, ela relata ter perdido a noção do tempo, mas soube que esse período de insegurança e busca constante por abrigo durou cerca de um ano. Normalmente aqueles que se arriscavam a sair de seus abrigos eram descobertos logo depois e não voltavam nunca mais. E esse acabou sendo o fim de seus irmãos e de sua irmã. Uma conhecida da família, a senhora Brenner, ofereceu refúgio a Eugenia e a mais treze pessoas. Eles se abrigavam em um forno de pães. Ela recorda-se que ao ver os fornos de uma pizzaria, por exemplo, ela ficava a pensar como era possível que ela e mais outras tantas pessoas conseguiam se abrigar em um lugar daqueles. Após algum tempo, alguma pessoa relatou aos nazistas que naquele local escondiam-se judeus e quando eles descobriram isso foram retirados do esconderijo. Em meio a este episódio, dois dos oficiais gostaram do cabelo de Eugenia e de sua mãe e acabaram os raspando, deixando-as quase irreconhecíveis em decorrência da falta de cabelos e por estarem magras e debilitadas. Os judeus foram conduzidos para os trens que os levariam aos campos. Eugenia recorda-se que na fila havia uma senhora carregando uma mala. Os soldados pediram para ela abandonar o objeto, ao qual ela se negou a deixar de lado. De imediato eles alvejaram a mala e logo depois a senhora. Com a mala aberta, pode-se ver que ali pairava uma criancinha. Nesse mesmo dia, o pai e o segundo irmão de Eugenia foram retirados da fila e dali em diante ela nunca mais os viu. Em trens de transporte de gado ela e mais tantos judeus foram alocados nos vagões que não possuíam água ou sequer ventilação. Chegando ao campo de Majdanek, ela foi enviada para trabalhar quebrando e carregando pedras. Certo dia o trabalho foi interrompido para recontagem dos prisioneiros. Os alemães explicaram que uma menina havia tentado escapar. Os judeus foram então reunidos em um pátio para presenciar o enforcamento dela. Durante alguns dias seu corpo ficou pendurado, como um exemplo do que poderia acontecer com outras pessoas caso elas se rebelassem. Algum tempo depois Eugenia foi transferida para o campo de Auschwitz II–Birkenau. Se em Majdanek ainda foi possível preservar algo que remetesse a identidade de cada um, ao chegar em Auschwitz isso foi colocado imediatamente de lado. A roupa que ela usava foi substituída por uma espécie de pijama listrado que era comum a todos os judeus. Ela foi tatuada com o número de identificação 48914 e alocada em uma área onde haviam apenas mulheres. Em uma entrevista marcante, Eugenia chegou a fazer o seguinte relato: “Recebíamos uma refeição por dia: um pedaço de pão duro e mofado e uma sopa de ‘água suja’ a qual se acrescentavam cascas de cenouras e batatas. Você tinha que saber como comer: eu comia por migalhas e assim pude resistir. Os que comiam a ração de uma só vez morriam mais rapidamente. O problema era adormecer, porque aí alguém roubava sua comida. Eu também vivia obcecada por roubar comida. A tal ponto que eu passava oito, dez vezes por dia em frente aos crematórios sabendo que eu também poderia parar ali, mas não me importava. A única coisa que me importava era conseguir algo para levar à boca: bichos, ratos, o que fosse.” A única posse que ela e as demais pessoas tinham no campo era uma espécie de pote feita de estanho, que era onde recebiam água e comida. Como as latrinas ficavam a mais de 200 metros de distância das barracas e era comum que os aprisionados sofressem de diarreias, muitas vezes o mesmo pote também era utilizado para que as pessoas fizessem suas necessidades fisiológicas. Eugenia recorda-se ainda, que por diversas vezes apareciam as kapos, que eram também prisioneiras que atuavam como funcionárias dos campos, que por diversas vezes, em atos de crueldade, mandavam as pessoas se ajoelharem em pedregulhos durante horas em meio à neve. Naqueles anos terríveis, Eugenia presenciou um gesto imenso de bondade, que veio dos ciganos, em Birkenau, que também eram exterminados no campo e vítimas dos nazistas. Eles ocupavam um setor separado do campo. Quando era possível, ela procurava escapar para perto do quartel onde eles ficavam. Certa vez um dos ciganos jogou um agasalho feito com papéis torcidos. “Desde então, eu amo os ciganos”, recorda-se. Durante sua adolescência, Eugenia viu-se trabalhando como escrava em uma fábrica metalúrgica, onde ela ajudava no preparo de armas, granadas e bombas, junto com a sua mãe. Algum tempo depois, elas foram levadas para Auschwitz I. Para muitos esse era o destino final, mas elas ainda estavam vivas, apesar de terem sofrido de febre tifoide e disenteria. Certo dia, aos gritos, os nazistas avisaram aos prisioneiros que eles deveriam sair do campo de extermínio, em decorrência da aproximação dos russos. O aviso que fora dado pelos alemães foi recebido com certa alegria, imaginando que a liberdade poderia ser uma possibilidade. No entanto, essa alegria durou pouco quando logo se percebeu que eles estavam dando início a Marcha da Morte. “Caminhávamos - nos arrastávamos - por um lugar muito estreito, sem sair da linha. Aos lados, o terreno estava minado. Eu vi uma menina voar em mil pedaços. A maioria não resistiu ao esforço. Eu percebi que a guerra tinha acabado. Os nazistas estavam mais preocupados em salvar as suas próprias peles e se despreocuparam de nós.” Algum tempo depois, Eugenia viu-se livre. Ao final da guerra ela pesava apenas 27 quilos. Sem contar com família, casa ou país para viver, ela começou uma nova etapa da vida, mas o sofrimento ainda a seguiu por mais algum tempo. Acompanhando alguns grupos, ela passou pela Hungria, Checoslováquia e Áustria, sem que soubessem ao certo o que fazer com os sobreviventes da guerra. Em um determinado momento a Administração das Nações Unidas para Ajuda e Reabilitação conduziu o grupo até um campo de refugiados, em Modena, na Itália. Foi lá que ela conheceu seu futuro marido, David Unger e seu irmão. Ambos haviam atuado como combatentes do gueto de Varsóvia. Juntos eles formaram uma pequena família. Eugenia engravidou pouco depois. Em suas próprias palavras: “Eu tinha uma preocupação: conseguir o necessário para o meu bebê e vendendo papéis para cigarro consegui comprar um carrinho. Em seguida fomos enviados para Santa Maria di Leuca, onde nasceu Leonardo. É impossível descrever o que esse momento significou. Voltei a ter algo próprio - assim sentia a meu filho - e isso foi muito belo”. Eles permaneceram por dois anos e meio na Itália, enquanto sonhavam em ir morar na região da Palestina, futuro Estado de Israel. No entanto, como a região era dominada pelos britânicos e a imigração era limitada, eles precisaram mudar os planos e acabaram se mudando para a Argentina, no entanto em meio à viagem ela chegou passar pelo Brasil, mais especificamente pelo Rio de Janeiro e posteriormente ainda passou pelo Paraguai. Chegando à Argentina, Eugenia recorda-se que “o que se seguiu foi trabalho e mais trabalho, começando do zero. Foram anos de esforços, mas o resultado pertencia a nós e sonhávamos com o futuro”. Eugenia ainda deu à luz a mais um menino, que já nascera em território argentino. Ela relata que as crianças sofreram bastante, pois às vezes elas acordavam com os gritos de seus pais, que tinham seus sonos abruptamente interrompidos no meio da noite em decorrência das terríveis lembranças do período do Holocausto. Em função disso, ela decidiu começar a contar sobre sua história. “Alguém tinha de abrir a boca para dizer o que tinha acontecido”, dizia. Naquela época os sobreviventes costumavam não comentar abertamente sobre suas memórias e toda a perseguição que haviam sofrido no passado. “Eu me desesperava ao pensar que a nossa dor ia se apagar sem que ninguém soubesse do horror que tínhamos sofrido. Eu acho que me salvei para deixar o meu testemunho. Essa é a minha força e minha missão. Eu dediquei minha vida a fazer as pessoas conhecerem esta parte da história. Escrevi dois livros – ‘Depois de Auschwitz. Renascer das Cinzas’ e ‘Holocausto, o que o Vento não Apagou’ – e eu viajei para muitos lugares. Meus filhos me dizem ‘Pare, mamãe, até quando, já são mais de quarenta anos que você anda em todos os lugares dizendo o que lhe aconteceu’. Mas isso sai de minha alma: não esquecer, não esquecer.”

Eugenia Rotsztein de Unger


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